26 de novembro de 2013

sobre ser criança gay


oi, pai, tudo bom?

lembra quantas vezes você me mandou andar direito? ou quantas vezes você deliberadamente me mandou parar de rir, porque não era assim que ria um menino? ou quantas vezes você questionou-me se eu era "um homem ou um prato de papa"? ou me fez fazer coisas que eu o-di-a-va, como entrar pro time de futebol de salão da escola, sob o pretexto de que eu precisava fazer algum exercício físco? ou quando me disse para não dançar desse jeito, ou ouvir tal tipo de música, ou mexer as mãos assim, ou sentar assim, ou deitar assado... lembra, pai, de todas essas vezes em que você tentou me dizer como eu deveria agir para me tornar um filho do qual você teria algum orgulho?

do Tumblr Criança Viada



você muito provavelmente não lembra. ou, se lembra, lembra como alguém que estava fazendo algo correto. como você mesmo disse, alguém que estava tentando mostrar "o caminho certo"... guess what? você estava 100% enganado. não poderia estar mais enganado. você cagou meu relacionamento com meu próprio corpo. você matou a naturalidade com a qual eu lidava com minha sexualidade. você vilanizou minha liberdade. você me fez prometer pra mim mesmo várias vezes que eu mudaria para que você pudesse me amar como você ama sua outra filha, que é hétero. você me fez abrir mão, durante muito tempo, do meu amor próprio. você me fez sentir a obrigação de ser sempre melhor que todo mundo para que eu pudesse sentir um pouco do que era ser amado e querido. você me fez sentir como se tudo o que eu sentia dentro de mim era errado. você me fez chorar e tentar suicídio inúmeras vezes. você me fez sentir coisas que nunca sentira antes, como culpa, vergonha e nojo de mim mesmo. você destruiu minha infância.

não que todas essas vibrações negativas viessem só de você. muito pelo contrário. vinham de todo lugar. da escola, da igreja, da rua. mas nenhuma foi tão efetiva quanto a sua. receber ódio de desconhecidos é fichinha, quando se tem o ódio dormindo no quarto ao lado, sendo destilado 24/7.

e eu não consigo olhar pra sua cara e não lembrar de tudo isso. por mais que você [ache que] tenha me aceitado (assunto sobre o qual conversaremos posteriormente, não se preocupe), por mais que você converse abertamente sobre minha sexualidade, por mais que você ache que "agora está tudo bem"... eu honestamente não consigo apagar todos os traumas e más lembranças que você me causou. eu não consigo me sentir plenamente bem perto de alguém que, durante tanto tempo, me diminuiu e humilhou por ser diferente. e não, isso tudo não é "drama" - como você e minha mãe sempre diagnosticaram minha depressão.

desculpa, mas você não tem a mínima ideia do que fala. ou do que me fez passar. ou da falta que eu sempre senti[rei] de seu amor. e, pelo visto, nunca vai entender nada do que eu estou falando. porque supostamente, pra você, é tudo "muito difícil".

com amor, seu filho gay.

12 comentários:

  1. Também passo por isso... :'(

    Parabéns pelo texto... Espero que tenha forças pra continuar..assim como eu estou tentando!

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  2. Acho quem que é gay passou pela mesma coisa. Achei lindo celo. O que me choquei em ler foi o "quantas vezes você deliberadamente me mandou parar de rir", porque eu lembro um dia que eu estava conversando com minha irmã e minha mãe, uma conversa super livre e positiva (alegre), e minha irmã soltou uma muito engraça e comecei a rir muito, literalmente chorando, junto com elas, e meu pai mandou eu parar de rir, mas não foi de uma forma normal, eu senti um pouco de raiva (repulsa). E como eu era relativamente jovem, não tinha entendi muito o que tinha acontecido. Derrepentemente, toda aquela energia positiva da conversa tinha desaparecido, minha irmã e minha mãe estavam sérias, e eu fiquei totalmente deslocada sem saber o que fazer ou agir.
    Eu acho que até hoje eu não tinha entendido o que tinha acontecido. Pq apesar de ter rido muito, e não achei aquele momento "gay". e ler isso confirmou o que sempre vim pensando e o que meu deve ter sentido e pensando no mesmo também.
    (meu desabafo) hahahahaha'

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  3. Eu não posso falar sobre todos os relacionamentos pai-e-filho e de suas particularidades, então uso o meu e os que conheço proximamente em minha análise. Eu 'sofri' boa parte de todas essas ações que citaste no texto, e entendo como você que elas são graves e danosas, no entanto, e daí falo somente por mim, não acredito na maldade por parte de meus familiares... Acho que hoje vivemos um novo contexto de abertura e aceitação muito diferente do no qual eles foram criados. Quando olho para os meus pais e tios, vejo que ele foram responsáveis pela luta e derrubada de uma ditadura. Era um contexto duro, a luta precisava ser muito forte, pois as consequências eram desastrosas, e as vezes, nessas situações a delicadeza e a sensibilidade se perdem. Eles viveram as lutas deles, e nós temos as nossas agora, como fazer com que nenhuma outra criança precise passar pelo que nós passamos, por termos conquistado locais de respeito, reconhecimento e inclusão, nos quais os seres podem se fazer humanos em sua integralidade e com suas particularidades constitutivas.
    Entretanto, e acima de tudo, eu te digo que trabalhes esses sentimentos, não por teu pai, não por entender que ele pelo simples fato de ser seu pai precisa ser perdoado por você, nunca por isso, mas por você. Não faz bem viver em mágoa, viver com esses sentimentos presos em você vai acabar por fazer mal, e esse mal será em você apenas. Não credite o peso de sua infelicidade à alguém, pois se não terás como revertê-la. A felicidade é uma escolha, e é uma escolha sua. Não se esqueça do que passou, não passe uma borracha indistintamente em sua história, apenas aprenda com o que foi, aprenda a construir novos caminhos a partir do sofrimento, e a ser feliz apesar dele.
    Tudo de bom! ;)

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  4. Marcelo, não conheço sua dor e não imagino o tamanho da mágoa que você deve carregar por ter essa infância tão marcada pela incompreensão. Mas a única coisa que penso lendo seu relato é que o Amor é maior sempre! Ame incondicionalmente! Só com Amor existe perdão e superação! Ao outro e principalmente a si próprio! A depressão está em nós mesmo e é combatida de dentro pra fora! Força pra ti! Com Amor, sempre!

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  5. Eu sempre acho que amanhã será o dia de mudar de vez, de me assumir por completo. Mas daí o amanhã chega e tenho uma imensa preguiça de sair da minha área de conforto, porque é bem provável que ninguém entenda. É dá medo encarar o que é definitivo. É porque é mais fácil reclamar da vida do que torná-la leve de sobreviver evitando o intolerável. (FUI BURRO)
    Hoje eu sinto saudade e nem sei do quê. É uma angústia louca, um misto de vontade de chorar e sorriso leve, quando sei que o que mais amo e sorrir. Eu não sei citar motivos, mas alguma coisa me falta. Estou ao mesmo tempo feliz e deprimido, tenho companhia e nunca fui tão sozinho, tenho comida e nuca me senti tão faminto. Eu crio mil planos pra mim e desejo todos eles. A vida é tão cheia de ciclos e fases e eu me agarro doentiamente ao conhecido. Eu evito mudanças drásticas, sabendo que são meus impulsos mais interessantes e busco o conforto da mesmice. É ridículo, não há surpresas. Ninguém nunca espera que eu saia dos meus limites. Quem me conhece de verdade? E quem sabe dos momentos que eu estou a ponto de explodir? As saudades são grandes, o telefone mudo. Me identifico com livros e personagens e nem tenho uma história pra contar. E se eu contar, quem vai se importar? Eu me importo e muito! Pq o mais engraçado é que algumas pessoas chegam falando que eu deveria ter falado a muito mais tempo sem se quer se perguntarem o que eu passei esse tempo todo e tudo oq eu fui capaz de aguentar CA-LA-DO. Mas mesmo assim eu as entendo, pq eu sei que no fundo no fundo não é tão fácil como elas dizem digerir tudo isso, pq ao ver da sociedade isso não é certo, isso não é normal blá , blá... e quem nesse mundo pode dizer oq é normal? Quem sabe de fato oq é certo ou errado? Sim porque eu não sei, oque sei é que eu sou assim e nunca chegaram pra mim pra explicar o porque... sabe oq é isso pra uma criança de 4,5 anos? Cresci me frustrando, ouvindo todo mundo falar que era errado, que era isso que era aquilo, me escondi esse tempo todo e oque é pior morrendo de medo e mesmo assim respeitando a todos. Hoje eu tenho 22 anos e isso já estava me deixando louco, me comendo por dentro, me acabando literalmente! Decidi criar coragem pra contar, mas n pense vc que foi fácil, foi o maior medo que eu sentir em 22 anos da vida. Mas era preciso ou eu n sei oq eu seria capaz de fazer comigo mesmo. Perdi as contas das vezes que perguntei pra Deus o fato de ser assim... mas sei que n devemos questionar a Deus, e na tentativa de me aceitar por completo vou levando, vou tentando me achar nesse mundo tão cheio de gente complicada e preconceituosa. O que eu mais gosto disso tudo é que ninguém ficou sabendo por outras pessoas, embora já desconfiassem., eu mesmo contei para aqueles me importam, ainda falta algumas pessoas eu sei, mas n por muito tempo. Quero marcar mais quem passa por mim, quero perder esse medo de não agradar, essa preocupação em ser o que todos esperam. Tentando não incomodar ninguém eu fico neutro. Invisível. E todas as minhas experiências de falta de preocupação já me indicaram que seria bem melhor me assumir. Eu não sou tímido, sou “calculista”! E essa falta que eu sinto… Na verdade eu sei, mas não queria saber… É falta de mim.

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    1. Oi,me identifiquei muito com tudo isso que você praticamente desabafou aqui....sei que já deve ser meio clichê essa frase mas acho que não poderia ter me expressado de uma maneira tão linda assim...se quiser trocar uma ideia sobre esses assuntos eu adoraria conversar,pode me mandar um e-mail: DimitriAnderson75@gmail.com aguardo contato,abraço

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  6. Marcelo, lembre-se sempre de ser quem você é independentemente da opinião dos outros: VOCÊ É LINDO ASSIM!

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  7. Magestoso. Tradução da realidade de todos os gays quando criança vivendo numa família patriarcal. Parabéns.

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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